Autores: Ana Beatriz Dias Sousa, Rafael Janiques e Daniel Hossni Ribeiro do Valle

Mais uma vez, o setor elétrico brasileiro é palco de uma ampla reforma, conduzida por meio de medida provisória (MP), recurso legislativo que permite mudanças imediatas, e que, ao mesmo tempo, impõe um debate político acelerado.

Em análise detida, é possível identificar que as principais legislações do setor elétrico se originaram desse mecanismo constitucional: a MP 1.017/1995, que estabelece as normas de outorga e prorrogação (Lei 9.074/95); a MP 14/2001, que instituiu o racionamento durante a crise energética (Lei 10.438/2002); a MP 144/2003, que criou a CCEE e tratou a comercialização de energia (Lei 10.848/2004); a MP 579/2012, que prorrogou as concessões e alterou regimes jurídicos do setor (Lei 12.783/13); a MP 998/2020, que preparou o caminho para a abertura do mercado livre (Lei 14.120/20); a MP 1.031/2021, que privatizou a Eletrobrás e outros temas (Lei 14.182/21). E agora, a história se repete com essa MP 1.300/2025.

Nenhuma dessas Medidas Provisórias tinha justificativa de urgência, como determina o artigo 62 da Constituição Federal, mas todas foram convertidas em Lei e permaneceram no mundo jurídico.

A atual reforma busca modernizar o modelo setorial, por meio de três pilares fundamentais:  justiça tarifária, liberdade para o consumidor e equilíbrio para o setor. Sem dúvida, são medidas necessárias, alinhadas às tendências internacionais de transição energética e democratização do acesso ao mercado.

Porém, inevitáveis questionamentos surgem: o Brasil está realmente preparado para essa transformação? A abertura total do mercado de energia rompe com modelo consolidado há décadas, colocando milhões de consumidores diante de novas responsabilidades e riscos, para os quais nem todos possuem preparo técnico ou financeiro. A complexidade das novas regras e a necessidade de gestão ativa dos contratos podem beneficiar grandes consumidores, mas e os pequenos, estarão protegidos?

Além disso, como ocorre tradicionalmente, paira sobre o processo o risco da inserção dos chamados “jabutis legislativos”, ou seja, dispositivos estranhos ao tema central, muitas vezes articulados por grupos de interesse que se aproveitam da tramitação acelerada das MPs para aprovar benefícios específicos. O histórico não é animador: várias medidas provisórias no setor elétrico acabaram distorcidas por esses enxertos, comprometendo a coerência e a eficiência das reformas. Será que, mais uma vez, veremos o desvirtuamento da proposta original?

Outro aspecto que merece reflexão é a própria escolha pelo uso da MP como via legislativa. Por que mudanças estruturais tão importantes seguem sendo feitas de forma emergencial, com pouco espaço para o debate público e técnico qualificado? Não seria mais prudente conduzir essas reformas por projetos de lei, que garantam maior participação da sociedade e segurança jurídica? Isso aconteceu, por exemplo, com a Lei 14.300/2022, que regulamentou a micro e mini geração distribuída e teve ampla participação popular.

A pressa que motiva a edição de MPs pode até ser justificada pela necessidade de alinhamento com os novos paradigmas globais do setor energético, mas também esconde fragilidades institucionais e políticas.

Em suma, a nova reforma do setor elétrico brasileiro apresenta propostas importantes, mas também revela velhas práticas: mudanças urgentes, debate insuficiente e o risco constante de distorções legislativas. Estamos preparados para esse novo modelo ou apenas repetimos, mais uma vez, a fórmula da pressa e da falta de transparência, típica das reformas feitas por medida provisória? É o que veremos nos próximos capítulos desse cenário.