Em 30 de abril de 2025, a Receita Federal do Brasil publicou a Solução de Consulta Cosit nº 75/2025, que oferece importantes esclarecimentos sobre a aplicação do regime de transparência fiscal previsto na Lei nº 14.754/2023 a estruturas fiduciárias instituídas no exterior, com destaque para os trusts irrevogáveis e discricionários.

Logo no início de sua fundamentação, a Receita reconhece que o trust é um instituto típico dos países de tradição da common law, sem correspondente direto no ordenamento jurídico brasileiro. No entanto, ressalta que, mesmo sem previsão no Direito Civil nacional, os efeitos jurídicos e patrimoniais dos trusts sempre foram admitidos no Brasil. Com a promulgação da Lei nº 14.754/2023, esse entendimento foi formalmente encampado no plano tributário, conferindo tratamento específico a esses veículos e impondo obrigações fiscais a residentes no país que deles participem.

O caso examinado na SC envolveu um trust estabelecido nos Estados Unidos, sob as leis do Estado de Delaware, cuja capitalização foi feita por pessoa jurídica estrangeira detentora de direitos econômicos conferidos por pessoa jurídica também estrangeira, acionista indireta de pessoa jurídica no Brasil. O trust possui natureza irrevogável e caráter discricionário, sendo destinado à proteção patrimonial de descendentes de acionista, em cenários de extrema necessidade, sem previsão de distribuição automática de ativos.

O consulente, representante legal de um potencial beneficiário residente no Brasil, defendeu que a estrutura em questão não se enquadraria nas hipóteses de incidência da Lei nº 14.754/2023. Seus principais argumentos foram:

·         (Art. 10) A inexistência de settlor (instituidor) impediria a transferência de titularidade dos bens para os beneficiários, já que não houve distribuição nem falecimento do instituidor. Assim, não haveria pessoa física residente no Brasil que pudesse ser considerada titular do patrimônio.

·         (Art. 11) A titularidade dos bens e direitos do trust caberia a entidade não residente, afastando a obrigatoriedade de declaração na DAA por qualquer residente no Brasil.

·         (Art. 12) Os beneficiários indicados na escritura do trust estariam sujeitos a condições suspensivas incertas e remotas. Por isso, não deteriam expectativa real de direito, tampouco direito adquirido, o que afastaria sua qualificação como beneficiários na forma da lei.

A resposta da Receita Federal: Prevalência da substância econômica

A RFB rejeitou os argumentos apresentados e estabeleceu diretrizes para a aplicação da Lei nº 14.754/2023 às estruturas fiduciárias analisadas:

·         Instituidor (settlor): de acordo com o art. 12, II da Lei nº 14.754/2023, o instituidor deve ser necessariamente uma pessoa física. Quando o trust for constituído com recursos de pessoa jurídica estrangeira, é imprescindível investigar a cadeia patrimonial até identificar a pessoa física que, em última instância, detinha a titularidade econômica dos ativos aportados. No caso analisado, a Receita infere que essa pessoa seria o acionista da empresa brasileira vinculado ao trust.

·         Beneficiário: a expectativa de direito é suficiente para caracterizar a condição de beneficiário, ainda que subordinada a condições suspensivas. Nos termos do art. 12, IV, basta que a pessoa esteja formalmente indicada para receber, em tese, os bens e direitos do trust, de acordo com a escritura e eventuais cartas de desejo. A Receita foi enfática ao afirmar que não é necessário direito adquirido para atrair as obrigações fiscais previstas em lei.

·         Trust irrevogável e transparência fiscal: nos termos do art. 10, §1º da Lei nº 14.754/2023, nos trusts irrevogáveis em que o instituidor abdica de qualquer direito sobre o patrimônio, os beneficiários são desde logo considerados os titulares fiscais dos ativos. Com isso, estão sujeitos à tributação sobre rendimentos e ganhos de capital, bem como à declaração obrigatória na DAA, ainda que não tenham recebido qualquer distribuição efetiva.

Orientação prática:

A SC Cosit nº 75/2025 consolida o entendimento de que o novo regime de transparência fiscal visa eliminar o diferimento indefinido da tributação de investimentos no exterior, mesmo quando estruturados por meio de instrumentos complexos como trusts irrevogáveis e discricionários. O simples fato de uma pessoa física residente no Brasil ser formalmente indicada como beneficiária já basta para que lhe sejam atribuídas, desde a constituição do trust, obrigações de declarar e tributar os rendimentos desses ativos como se os detivesse diretamente.

A equipe tributária do /asbz está à disposição para orientar seus clientes na reavaliação de estruturas fiduciárias internacionais à luz da Lei nº 14.754/2023 e na implementação de soluções patrimoniais alinhadas ao novo regime fiscal brasileiro.

__________

Este informativo traz uma síntese de alterações legislativas, tendo sido elaborado pelo time técnico do /asbz. Ressaltamos que o conteúdo aqui apresentado tem caráter informativo e não substitui a consulta a um profissional jurídico especializado.