Por: Victoria Cascaes e Antonio Moreno

Gerir estrategicamente as práticas de transfer pricing (ou preço de transferência) torna-se cada vez mais relevante para empresas multinacionais à medida que os negócios internacionais se tornam complexos, a fiscalização se intensifica e a legislação evolui em diferentes países.

As autoridades fiscais do Reino Unido emitiram novas orientações sobre a prática, que visam aumentar a transparência e a responsabilidade fiscal das empresas.

Essas diretrizes, além de influenciar diretamente as multinacionais que atuam no país, podem ter um impacto em outras jurisdições, como o Brasil, onde as regras sobre preços de transferência também estão passando por transformações importantes.

Saiba mais detalhes a respeito desse assunto em nosso artigo. Falaremos sobre os pontos mais relevantes, apresentando as disposições da lei!

O que é transfer pricing?

Transfer pricing refere-se ao processo de definir preços para transações entre empresas do mesmo grupo econômico, mas que operam em diferentes países, com a finalidade de alocar o resultado do grupo maneira equilibrada entre as partes da transação.

Essas operações — que podem envolver a venda de produtos, a prestação de serviços, o licenciamento de propriedade intelectual, etc — podem ser fiscalizadas por autoridades fiscais para assegurar que os preços estejam conforme o princípio do Arm’s Length.

Esse princípio estabelece que os valores praticados em transações entre partes relacionadas devem ser os mesmos que seriam aplicados entre partes independentes em condições de mercado.

A regulação de transfer pricing visa, principalmente, impedir que empresas estabeleçam preços de forma a transferir lucros de países com alta carga tributária para jurisdições com impostos mais baixos.

Assim, as autoridades fiscais buscam assegurar que os resultados sejam alocados de forma justa e onde as atividades econômicas realmente ocorrem. Para isso, exigem que as empresas demonstrem claramente como os preços de transferência foram estabelecidos.

O que diz a nova orientação das autoridades fiscais inglesas sobre preços de transferência?

O Reino Unido publicou novas orientações que reforçam a necessidade de que as empresas forneçam evidências documentais detalhadas e atualizadas sobre suas políticas de preços de transferência.

As autoridades britânicas estão colocando uma ênfase renovada na “substância econômica” das transações, ou seja, não basta que as operações sejam meramente documentadas: elas devem refletir a realidade econômica das atividades conduzidas pela empresa.

Essas diretrizes ainda exigem que as empresas multinacionais garantam que os contratos entre suas subsidiárias estejam adequadamente formalizados e assinados, no momento em que a transação ocorre, e que os valores envolvidos respeitem o princípio de plena concorrência, por meio do uso do padrão Arm’s Length.

A não conformidade com essas exigências pode resultar em ajustes fiscais, com potencial impacto no cálculo dos impostos devidos.

Como a nova orientação pode refletir no Brasil?

Com a revisão das regras de preços de transferência no Brasil, especialmente no contexto da tentativa de alinhamento com as normas da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o país começa a adotar práticas mais sofisticadas e aderentes ao cenário global.

A Lei nº 14.596/2023, que trata da nova legislação de preços de transferência no Brasil, já define diretrizes mais próximas às da OCDE, como o teste da “racionalidade comercial”.

Esse teste permite queas transações entre empresas relacionadas sejam desconsideradas ou ajustadas se for concluído que partes independentes, em condições normais de mercado, não realizariam a transação da mesma forma. A lógica desse dispositivo possui correlação com as novas recomendações do Reino Unido, que também reforçam a importância de que as operações intercompany tenham substância e sejam conduzidas de maneira comercialmente racional.

As transformações no Reino Unido, portanto, podem influenciar futuras alterações legais nas regras brasileiras, que servissem ao papel de trazer mais clareza e objetividade ao dispositivo amplo e geral da nossa norma. 

O referido dispositivo da norma brasileira deve ser aplicado exclusivamente dentro da finalidade de preços de transferência e se dirigir a situações excepcionais de clara inadequação da conformação contratual. Do contrário, as próprias regras-base de controle de preços de transferência para validação da transação serviriam ao propósito de correção de anomalias. Portanto, especificar por meio de regras objetivas os parâmetros esperados para aplicação do dispositivo traria previsibilidade e segurança jurídica.

Essa premissa é importante já que pode evitar controvérsias e litígios futuros, desde que, claro, estejam dentro dos parâmetros legais e constitucionais já afirmados em precedentes do STJ e do STF, os quais são garantidores da liberdade operacional do contribuinte.

Como as empresas devem se preparar para as novas práticas de transfer pricing?

Diante das mudanças nas regras de transfer pricing, tanto no Reino Unido quanto no Brasil, as organizações multinacionais precisam adotar uma postura proativa e estratégica para assegurar que estão em conformidade com os novos requisitos.

Isso inclui, primeiramente, a revisão e a atualização das suas políticas internas de preços de transferência, assegurando que todas as transações intercompany estejam devidamente documentadas e justificadas com base em princípios econômicos sólidos.

É necessário que as empresas invistam em melhorias em seus processos de governança tributária, com a implementação de controles internos mais sólidos para monitorar e documentar as operações.

É bastante recomendável que a análise seja enriquecida por uma avaliação jurídica estratégica, com expertise no contexto atual e sensibilidade para tendências futuras.

Isso permite às empresas identificar possíveis riscos fiscais, inclusive em áreas tributárias correlatas como aduaneiro e retenções.

Outra recomendação importante é o fortalecimento da comunicação entre as equipes jurídicas e financeiras das empresas, de modo que estejam alinhadas sobre os riscos e as solicitações em relação à documentação e justificativa das operações intercompany.

A preparação antecipada para auditorias fiscais, com a produção de relatórios detalhados e consistentes, inclusive de ordem jurídica, pode prevenir problemas futuros e evitar sanções pesadas.

As mudanças de transfer pricing recomendam uma postura mais transparente e estratégica, além de um controle rigoroso sobre a substância e a documentação das operações, elementos que serão fundamentais para o sucesso no atual ambiente tributário global.

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